quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012


(...) E agora vejo-te não mais como o meu mundo e sim como um grão dele e dos mais pequeninos, daquele que mal sabemos onde está e que a qualquer momento pode ser amassado por algo mais forte e descuidoso. Agora tu és um grão pequeno, um grão que não mede com a tua antiga imensidão e só agora, grão pequenino, que eu pude perceber seu valor e teu tamanho que ainda irão dizer que és menor que o mundo, que és menor que o meu mundo.
Larissa Linhares.
Era 13/01/1990 e eu tinha acabado de completar meus 17 anos, a discussão em casa era enorme, papai querendo ir para Brasília e mamãe pro Rio de Janeiro, mas no final eles foram para Brasília e pela primeira vez pude ir visitar o Rio com minhas amigas, íamos passar o verão em uma cidade pequena, de frente para uma lagoa e de esquina para rua principal. Eu e a Ana fomos direto à casa da Bia e de lá o tio dela nos levou, a viagem foi bem rápida, dormir praticamente seis horas e pude ficar acordada o resto das duas horas que faltavam, ao chegar tive uma grande surpresa, íamos ficar só nós três, dentro daquela pequena casa que se transformou em enorme por questões de segundos, confesso que o tão falado frio na barriga apareceu no mesmo instante quando soube da notícia, nunca tinha ficado longe de papai ou de mamãe e precisava de uma segurança a mais, mas nada foi feito, ninguém queria passar o verão naquela cidade.

A noite estava dando o ar de sua graça e pela janela pude ver as estrelas dançando ao lado da lua, o vento vinha vezes forte e vezes devagar e eu estava mais do que ansiosa para descobrir como era a noite daquela cidade, o som baixo já era escutado e as meninas estavam gritando-me feito loucas e por fim dei a última inclinada sobre a janela e ele sorriu para mim. Estava sentado na calçada da frente, com os braços cruzados e o sorriso largo, seus amigos a essa altura deviam estar assobiando para as meninas que iam e vinham na calçada e antes mesmo que eu sorrisse fui puxada pelo braço, era a Ana. Descemos as três e pude vê-lo um pouco mais de perto, mas ainda não deu tempo dos lábios se abrirem, na cruzada olhei para trás, ele vinha sozinho e não aguentei, gargalhei para dentro que aos poucos foram saindo de meus lábios.

Os balões voavam cada vez mais altos e se entrelaçavam com as estrelas, os palhaços ofereciam alegrias às pequenas crianças que ocupavam aquela enorme avenida e aos poucos sentir os braços das meninas se soltando dos meus e com a voz baixa pediram para eu espera-las ali enquanto iam comprar bebidas. Dois ou até mesmo três passos, foram suficientes para chegar perto do meio fio. O vestido levantava vezes alto e vezes baixo, aquele vento estava aprontando comigo. Olhei para lá e para cá e nada do meu menino aparecer e o sorriso torto não saia de meus lábios, estava cansada desse joguinho maldoso dele e era sempre a mesma coisa, as estações mudavam e o nosso amor também.

Mas agora já estamos em 1995, completamos exatamente quatro anos de namoro e era a terceira vez que acabávamos e por pouco não matamos um ao outro dentro do pequeno apartamento que um dia foi grande. Seu Antônio, o porteiro, o expulsou do meu quarto e passei uma semana sem olhar os olhos do meu menino. Sentia o cheiro dele pelas paredes e fui seguindo-a até o cheiro sumir, deparei-me debruçada sobre a cama chorando como uma criança. Rasguei os lençóis como na última vez, quebrei o vaso mais florido que tinha e por fim o xinguei bem alto, para fora da janela deixando tudo de ruim sair de dentro de mim. Os olhos foram fechando aos poucos e por pouco não permaneci em 1995, mas não pude controlar e já estávamos na primeira noite de 1990.

O beijo dele era doce e envolvente, mas o medo consumia-me por inteira. Seu abraço passava-me segurança, mas a escuridão do beco não. Ele olhou em meus olhos e sussurrou o seu nome baixinho e faltou pouco para dizer-me algo mais ousado. Minhas mãos suavam de nervoso e eu nem ao menos lhe disse meu nome, estava com receio da gagueira aparecer. Ficamos rindo e trocando carinhos por horas até ele levar-me de volta ao apartamento, foi à primeira noite do fim. Subi e quase cai sobre a janela, ele estava lá embaixo mandando inúmeros beijos e se foi para o outro dia. Mas agora já estávamos no terceiro dia do verão de 1991.

O dia estava amanhecendo junto com o canto dos pássaros, mas a campainha insistia em estragar isto e as meninas estavam dormindo como pedras. Então fui atender, era seu Antônio com uma cesta enorme e rosas na mão, eram para mim. Sorri e o agradeci, ainda um pouco tonta deixei tudo sobre a mesa e passei meus pequenos dedos sobre meus olhos. Inclinei-me sobre a janela e ele estava lá, sorrindo feito um bobo e perguntando se eu aceitaria, não entendi no primeiro momento e fiz um pequeno gesto com a mão o pedindo para esperar um pouco, voltei até a mesa e peguei o bilhete entre as rosas, era um pedido de namoro. Corri e dessa vez por pouco não cair. Sorri, mas sorri demais, sorri quase morrendo, sorri dizendo sim e ele apenas gritou, falando o quanto meu cabelo era bonito bagunçado. Sorri mais uma vez e depois de longos minutos fui encontra-lo sobre as pedras, ficamos ali a tarde inteira, vendo as ondas do mar bater sobre nossos pés, sentindo o friozinho do vento e namorando um bocadinho. Fomos embora assim que o arco-íris apareceu, mas isso agora foi em 1992.

Seu Antônio estava desesperado com tanto xingamento em frente ao prédio que tomará conta até a velhice. Tapas eram escutados vindos de mim, eu o deixei completamente marcado e dessa vez não foi de tesão. Era nossa primeira briga e quase foi o fim se não fosse pelo beijo roubado no final do último dedo dado. Agarrou-me com força e me levou para o nosso quarto onde nos amamos por horas. Foi selvagem, intenso, mas teve doçura e leveza. O sol ainda nem tinha se despedido e mais uma vez Seu Antônio estava batendo na porta, implorando para que eu gemesse um pouco mais baixo, os vizinhos estavam reclamando já e foi rápido, pois agora estamos no último dia do verão de 1994.

Ele chorava feio um grande babaca, eu odiava drama, mas nosso namoro não estava tão bom quanto em 1993. Parecia que sabíamos que era a metade do fim. Desde sempre soube que fomos feito para acabar, mas não imaginaria que seria tão rápido. A viagem foi cansativa e as lágrimas não pararam de descer nem um por um segundo, meu coração acelerava e desacelerava e por alguns momentos vomitava borboletas velhas. E as estações incomuns estavam chegando, nunca tinha reparado nelas já que para mim só existia o verão, até chegar em 1995.

A semana passou devagar, mas ele apareceu e eu pude tocar e sentir o rosto do meu menino, assim como os lábios e o corpo. Ele beijou-me como se fosse a última vez. -Era a última vez- Nos amamos como a primeira vez do fim e depois como a última vez e no final da madrugada rabiscamos todas as paredes do velho apartamento, deixamos nossas marcas com beijos vermelhos e perfume. Era possível enxergar mais nenhuma cor, só os nossos nomes e sobrenomes. Era poesia, era amor, era vida, era morte e ele se foi, deixando-me perdidamente apaixonada pelo meu primeiro e único amor.

Larissa Linhares.